segunda-feira, 20 de junho de 2011

O Mundo, Jack Daniels, e Eu

  
A notícia lhe atingiu como um raio.
A guerra começara, e ele era um desertor. Milhões de pessoas mortas em seus país, América.E ele era um dos poucos sobreviventes de sua região.
Mas nenhuma delas era a notícia. A notícia lhe foi dada por um barman gordo e calvo, com sobrancelhas grisalhas que se uniam e davam a sensação de unidade ao seu rosto, fazendo-o parecer todo apenas um rosto, uma cabeça.
A notícia era um inconveniente, e o cliente do barman gordo e calvo sempre se livrara de seus inconvenientes.
Tristemente, a notícia era a de que a bebida acabara.
Naqueles tempos, precisamente 2022, estar vivo era uma coisa extremamente ruim e incômoda.
Estar sóbrio era ainda pior, não se podia suportar a vida conscientemente.
Willhelm estava vivo há uns 40 anos, e começando a ficar sóbrio naquele momento, e isso era altamente inconveniente.
Mas ainda havia outras pessoas, vivas e sóbrias nesse mundo.
Agora Willhelm estava vivo há exatamente 78 anos. Era ainda muito forte e cuidava da barba que cultivava desde quando ela existia. Nada demais mudou no mundo, a mesma guerra, os mesmos problemas, a unica diferença eram as pessoas. Não que os espíritos das pessoas haviam mudado bruscamente, apenas não pertenciam mais aos corpos dessas pessoas.
Em outras palavras, ninguém mais, exceto ele, estava vivo.
E ele não estava sóbrio.


Aos doze anos, Willhelm, nunca imaginava ser a última pessoa na terra. Também não imaginava que seria responsável pela morte de algumas.
Foi feliz ? Não, mas sabia disfarçar bem, e isso ele fez a vida toda. Mentir.
Mentia a sua mãe, mentia aos seus "amores", e o mais importante, mentia a si mesmo.
Hoje ele não tinha ninguém para quem mentir. Tudo perdera o sentido, menos o velho Jack Daniels isso nunca parava de fazer sentido, ou alegra-lo.
Talvez a culpa seja toda do velho Jack.
Sem ele Willhelm nunca teria manejado sua primeira arma ( que guarda com carinho até hoje ), e sem isso, algumas vidas teriam sido poupadas.
Sim, algumas vidas teriam sido poupadas, até o ano de 2070, onde apenas a sua vida foi poupada.
Ele nunca entendera toda essa besteira de vida ou morte. Nunca se importou com a morte, e talvez seja por isso que a morte, ao passar por ele, virou-se e procurou alguém que se importava com ela.
A carne de veado já lhe enjoara, e a tinta de sua caneta estava bem cheia, contrastando com a falta de páginas de seu caderno. Ainda restavam umas 7 páginas, e lhe restavam tantos anos a serem expostos nela...
Willhelm não entendera sua decisão, escrever um diário.
Quem vai ler ? Quem vai entender ? Quem no mundo, mesmo se existissem pessoas nele agora, o amariam ?
Mesmo assim, sua vida lhe intrigava. Ele amou tudo pelo o que passou, e por via das dúvidas resolveu escrever alguns anos de sua vida nesse diário.
Havia coisas de que ele se lembrava sim, da sua infância, Alemanha pré-guerra, sua vinda a América, a morte de seus pais, de suas amantes, de seus amigos, a morte de todos, e finalmente todas as mulheres que já experimentara.
Foram muitas ? Sim, muitas, mas nenhuma delas o agradou mais do que aquela, não a primeira, não a última, apenas a melhor.
Melhor até do que a companhia do velho Jack
Ela era perfeita

Ficando sóbrio, Willhelm, começava a refletir. E nesse exato momento refletia sobre a mulher que mais amou na vida.
Mas nunca trocou uma palavra com ela.Isso até foi importante para o afeto de Willhelm por ela.
Os olhos sem brilho de Willhelm apontavam para o avental do barman gordo e calvo( que, prostrado a sua frente, chamava-lhe atenção),mas assistiam o caminhar de uma japonesa, na cidade de Las Vegas.
A japonesa caminhando na cidade de Las Vegas era exatamente a mesma mulher que fazia Willhelm beber e ao mesmo tempo refletir, seja em 2022 ou em 2070.
Mas tempos diferentes, reflexão diferente.
Nesse exato momento, Willhelm pensava em como descrevê-la.
A 38 anos atrás, Willhelm pensava em como matá-la.
Seus motivos eram claros e sucintos, iria matá-la, assim não poderia mais traí-lo.
Ela morreu ? Sim
Mas isso não importava. Ninguém mais estava vivo.
Las Vegas foi destruída, as bebidas estavam se acabando, as mulheres mortas, ninguém em quem atirar, nada para explodir.
Willhelm não tinha utilidade nenhuma num mundo sem pessoas. Um mundo sem pessoas sugere um mundo sem guerras e um mundo sem inconvenientes.
As únicas coisas que Willhelm sabia fazer ( profissionalmente) era se livrar rápida e eficientemente de seus inconvenientes, e, de vez em quando, lutar nas guerras.
Ela era perfeita pra ele. Bonita, não falava a língua dele, e por um punhado de dólares, poderia ser quem Willhelm quisesse. Na cama, é claro.
Pena que teve de morrer.
Nas parcas páginas de seu caderno Willhelm descreve a traição da japonesa. Como teve a capacidade de ver outro homem, mesmo tendo hora marcada.
Um erro profissional da parte dela, fazer Willhelm amá-la. Mas Willhelm não se importava com os problemas dos outros. E não se importaria com os problemas dela, ainda que tivesse que passar algumas horas com o velho Jack Daniels para suportar isso.
Ele tinha de matá-la.
Ela morreu ? Sim
Ele a matou ? Não.
Antes de encontrar a japonesa num dos quartos de um hotel qualquer em Las Vegas, encontrou no chão um jornal, que, noticiava, entre outras coisas, um ataque nuclear em Nova York, o início da terceira guerra mundial, e a morte de uma prostituta asiática em Las Vegas.
Mas notícias ? Não.
Suas balas foram poupadas e ele finalmente teria o que fazer.


Conto enviado pelo leitor: Antonio Afonso



4 comentários:

  1. Muito bacana! També acho asiáticas TDB!

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  2. Ambientação pós-apocalíptica sempre me agrada.
    Mas eu fiquei com muitas dúvidas sobre quem é o personagem, e se ele está sozinho no mundo ou não.

    Espero que tenha sido este o intuíto.

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  3. Esqueceram de colocar o nome do autor...

    Que no caso sou eu...XD

    Antonio Afonso

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