Rodrigo estava sentado diante de seu notebook e não conseguia continuar. A fria página em branco, de seu processador de texto, o intimidava. Tinha decidido que só sairia daquela cadeira quando o conto estivesse acabado, impresso e dentro de um envelope. Normalmente só iniciava o processo de escrita quando já tinha em mãos uma idéia, uma lista de personagens, um roteiro dos acontecimentos e um final para sua história. Infelizmente essa era uma excessão criativa.
Sua primeira idéia, para um conto, era a história de um homem obcecado por organização e por conta disso ele era infeliz em seus relacionamentos. Tentou desenvolve-la, mas ao contá-la para uma amiga percebeu que a idéia não era tão boa quanto imaginava. Esperava que ela ficasse tão empolgada, quanto ele ficou ao ter a idéia, mas a reação foi menos do que o esperado. Analisando melhor a idéia, viu que a história, mais uma vez, tendia pra um final infeliz. Aliás, ele tinha um longo histórico de contos e romances onde personagens tinham mortes trágicas, amores que nunca se concretizavam, e o pior do ser humano era trazido à tona. Não que Rodrigo fosse incapaz de criar histórias com final feliz, mas sempre os achara previsíveis e fora da realidade.
Já era meia noite e quatro, e ele tinha que se preparar, em poucas horas, para ir trabalhar. Em seu emprego era o que chamavam de “Peão de Fábrica”. Sem muita perspectiva de futuro e facilmente substituível. Não podia reclamar, no aspecto financeiro, alias esse era a meta da maioria dos jovens da cidade na qual morava. Todos sonhavam apenas em ter um bom salário, financiar um carro e “comer” o maior numero de gatinhas nas baladas. Mas isso não bastava para Rodrigo. Ele sempre teve uma personalidade questionadora, e dificilmente ficava satisfeito com o que a maioria das pessoas enxergava como felicidade. Escrever um conto de qualidade, e ganhar o importante concurso oferecido pelo governo federal, era sua chance para ser reconhecido como escritor. Conseguindo assim, se lançar no competitivo mercado editorial.
Ao olhar novamente para seu relógio viu que já era meia noite e trinta e oito. Tinha que ter logo uma idéia e começar a escrever. Era raro ele sofrer um bloqueio criativo, mas dessa vez começava a ficar preocupado. Só tinha mais essa madrugada para terminar o conto, o qual nem havia começado.
Pensou em fazer uma história sobre bruxinhos que são levados para estudar em escolas ancestrais. Haveria três protagonistas, um menino de óculos, um menino bobo (melhor amigo do menino de óculos) e uma menina esperta e estudiosa. A trama se complicaria quando um grande mal retornasse. Essa ameaça só poderia ser derrotada pelas três crianças, em especial pelo menino de óculos, cuja personalidade seria tão profunda quanto à de uma pedra. Seria um sucesso, pensou. Porém, antes de conseguir escrever mais do que uma frase, ele desistiu. Rodrigo não acreditava que alguém fosse gostar de uma idéia tão simples quanto essa. Bruxinhos? Magia? Mal cujo nome não pode ser pronunciado? Era tudo muito tolo, talvez até funcionasse como um romance para crianças, mas não como um conto.
Já era uma da manhã e, apesar de seu juramente de não levantar da cadeira, estava na cozinha passando um café. No silêncio daquela madrugada ele não ouvia nem os costumeiros cachorros dos vizinhos latirem. Talvez nisso morasse sua idéia: no silêncio. Seria uma história sobre um mundo onde pessoas começariam a ficar surdas, uma a uma. O governo decretaria estado de epidemia pública e os infectados, por causa essa surdez viral, seriam colocados em instituições de tratamento, isolados do resto da população saudável. Essas instituições mais pareceriam prisões. A personagem principal seria uma fonoaudióloga, especializada em linguagens de sinais, que não tinha contraído o vírus e, ao contrario dos outros internos, estava lá por vontade própria. Talvez cuidando de algum ente querido. Rodrigo achou essa idéia brilhante. Pensou até que poderia virar um filme nacional de sucesso. Quem sabe, dirigido por um grande cineasta como Fernando Meirelles.
Com a idéia na cabeça, e uma xícara de café na mão, ele voltou para seu quarto, onde ficava seu notebook acomodado em cima de uma antiga escrivaninha de madeira. Ao se sentar na cadeira olhou pára a página em branco do monitor e desistiu da idéia da epidemia de surdez. Afinal, seria uma história sem diálogos. Teria muitos gestos e transliterações, ainda sim Rodrigo não poderia demonstrar todo o seu talento com os diálogos, que considerava seu forte. Precisava pensar em outra idéia. Olhou para o relógio e viu que o mesmo agora marcava duas e quinze da manhã. O tempo estava se esgotando, já que tinha que se aprontar para o trabalho às cinco horas.
Como era um conto de no mínimo três páginas, pensou, ainda era possível encontrar uma idéia e escrevê-la de forma satisfatória. Outro talento de Rodrigo era o de ser rápido, depois que o caminho a ser trilhado, era escolhido. Só que dessa vez ele simplesmente estava parado sem saber para que lado seguir.
Olhou ao seu redor, em busca de inspiração. Viu as rachaduras na parede do quarto e se lembrou o quanto era bom morar em uma casa do lado da obra de um shopping center. Talvez quando o mesmo estivesse pronto ele poderia pegar seu notebook e ir escrever em um Starbucks, mas em sua fase de obra tudo que ele recebia do Shopping eram as rachaduras nas paredes e o barulho infernal durante o dia.
Em vez de ter outra idéia, ele ficou refletindo sobre o motivo que o tinha feito protelar sua escrita até a última hora. Pensou muito e concluiu que desperdiçará um mês de prazo, não por preguiça e sim por auto-sabotagem. Sempre que decidia escrever encontrava alguma outra coisa para fazer. Assistia televisão, lia um livro, saia com o algum amigo ou simplesmente dormia. Afinal, se não enviasse o conto, não seria avaliado. Sem avaliação, não se sentiria mal em descobrir que não era um bom escritor. Poderia continuar achando que escrevia bem e que seu sonho, de sair daquela vida medíocre de peão de fábrica, um dia se realizaria.
Sua reflexão havia lhe custado mais dezesseis minutos e já eram duas trinta e uma da manhã.
Rodrigo procurou se focar. Olhou para um antigo pôster do filme Dawn of Dead, do diretor George Romero, que estava pregado em umas das paredes de seu quarto, e pensou ter encontrado sua idéia. Um conto sobre zumbis. Porque não? Zumbis nunca saem de moda. Poderia explorar as relações humanas entre os personagens, encher de diálogos inteligentes e propor um final onde apenas uma mocinha saia viva. Também teria um infectado que esconderia sua mordida dos outros, teria aqueles que usariam do apocalipse para se tornarem monstros piores que os zumbis. Haveria muito drama e lições de moral escondidas dizendo que nos já somos zumbis em nossas vidas modernas e repetitivas. Devorando, socialmente, qualquer um que tente agir e pensar de forma diferente.
Essa era uma boa idéia. Rodrigo só precisava agora de personagens. Mas isso não seria difícil, pois bastava pegar pessoas conhecidas, trocar seus nomes e pronto. Entretanto, ele olhou para o relógio e viu que o mesmo já marcava três e vinte e três da manhã. Só tinha cerca de uma hora e meia. Era pouco tempo para uma rica e dramática história de zumbis. Era pouco tempo até para escrever sobre vampiros que saem de dia e brilham debaixo da luz do sol sem serem destruídos.
Precisava de uma saída. De uma idéia que fosse simples e ao mesmo tempo genial.
A idéia surgiu, e antes que, mais uma vez, ele conseguisse se sabotar, respirou fundo, corrigiu sua postura na cadeira, colocou ambas as mãos no teclado e digitou o título: UM CONTO
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